Você está visualizando atualmente Escolha Profissional na Pós-modernidade

“No mundo tereis tribulações, mas tende coragem: eu venci o mundo.” João, 16,33

Vivemos uma época caracterizada por mudanças velozes e significativas. As tecnologias, os estilos de vida, os valores e o modo de produzir e comercializar; tudo está numa constante mudança, que acontece num ritmo crescente e muito maior do que acontecia no passado. Neste artigo veremos os reflexos dessas mudanças no processo de escolha profissional e na vida dos jovens e adultos.

Estamos diante de uma importante mudança de paradigmas, que impacta de formas diferentes o orientando em função de sua faixa etária. Pessoas em diferentes faixas de idade estão buscando orientação profissional porque as crises profissionais reaparecem em diversos momentos da vida profissional. Não se trata mais do velho teste vocacional do jovem que escolherá a carreira.

Muitos adultos, que estão em processo de reorientação profissional ou de carreira, conhecem os dois cenários, o anterior à mudança de paradigma e o cenário atual. Contudo, até mesmo o jovem que já nasceu no cenário transformado sofre os impactos da mudança, porque é formado e precisa negociar suas escolhas com pais e professores, que podem estar com o antigo paradigma internalizado.

Antigo Cenário

A sociedade industrial era caracterizada por profissões estáveis, as carreiras eram desenvolvidas dentro de uma mesma organização, as pessoas orgulhavam-se porque entravam na empresa como office-boy e terminavam a carreira no nível gerencial ou diretivo. Os cenários eram mais simples, as opções por produtos, processos ou tecnologias eram bem mais restritas.

Era um mundo mais estável, mais previsível, onde tudo era mais durável. Era um mundo com fronteiras claras de poder, com papéis sociais bem definidos. Podemos atribuir a este cenário o adjetivo solidez. Tudo era mais sólido, mais concreto e estável. As mudanças aconteciam, mas num ritmo mais lento e de uma forma que as pessoas conseguiam prever com mais facilidade as mudanças futuras. Cada mudança sobrevivia por décadas, havia tempo de as pessoas se adaptarem a elas.

Naquele tempo, a escolha profissional era mais simples. Havia um leque menor de profissões e um mercado com comportamento mais ou menos estável. A transição entre a escola e o mundo do trabalho era simples e o diploma facilitava a empregabilidade. Do profissional exigia-se um conjunto de habilidades estáveis, que precisavam ser atualizadas sem muito trabalho, pois as mudanças eram lentas.

Cenário atual

A sociedade pós-industrial é caracterizada por grandes mudanças na organização do trabalho, mecanização, globalização, modo de empregar mão de obra e tantas outras novidades, que alterou a relação do homem com o trabalho. Os especialistas falam em desconstrução do mercado de trabalho.

A evolução técnica e a mecanização possibilitaram o enxugamento dos empregos. A melhoria do padrão de renda de uma boa parcela da população aumentou a oferta de pessoas com formação acadêmica. Como consequência, as poucas vagas existentes no mercado são preenchidas com processos seletivos cada vez mais rígidos, em busca de profissionais hiper-qualificados. Não basta ser um bom profissional, as empresas estão em busca de “super profissionais”. Isso acaba sendo um ideal, pois a maior possibilidade de qualificação técnica ocorre num período de crise ética.

Relativismo e crise ética

A transformação muito rápida dos cenários na pós-modernidade gera uma noção de relativismo que vai do concreto ao mundo dos valores. O raciocínio é o seguinte: eu posso optar por qualquer produto, qualquer sistema ou tecnologia, no final o resultado será o mesmo, assim, eu também posso optar por qualquer sistema de valores, tudo gerará o mesmo resultado. Os valores, a ética e a moral são estabelecidas sobre alguns patamares estáveis. Sem estabilidade tudo se torna líquido, facilmente moldável. Numa sociedade líquida, os valores também perdem consistência. Se a ética organizacional está em crise, a ética pessoal segue a mesma tendência.

Se antes o paradigma da escolha profissional era o prazer, a construção da identidade e a realização pessoal, agora os projetos são mais elaborados como técnicas de sobrevivência. A fidelidade a ideais profissionais ou a organizações foi substituído pela busca de oportunidades a qualquer custo, desde que proporcionem renda e status. Estes são elementos importantes para a obtenção de prazer nas relações de trabalho e principalmente fora dele.

Não tem volta

Não há como fugir, a construção da identidade ocupacional precisa ser construída neste tempo e neste cenário: capitalismo globalizado, sociedade pós-industrial e pós-modernidade, onde não há noção de totalidade, mas de fragmentos em constantes mudanças. Não se trata de uma visão pessimista, é simples constatação. Mudamos o mundo, fazemos parte dessa mudança. Negar a realidade não contribuirá. A atitude necessária é buscar, sim, a construção da identidade ocupacional em conjunto com outros aspectos da identidade pessoal, fazendo as melhores opções no mundo real em que vivemos.

Na cultura da sobrevivência as pessoas buscam profissões que darão maior oportunidade, aceitam qualquer ocupação, submetem-se a qualquer coisa para conseguir ou manter o emprego. Importa o momento, o modismo e o passageiro. Sem construção da identidade a pessoa não sabe o que valoriza, então aceita qualquer coisa. Por isso vemos que os jovens aceitam ocupações no mundo do tráfico e do crime, alegando que precisam sobreviver. Não vêm a totalidade, que pessoas estão morrendo ou sofrendo perdas e dores provocadas pela sua ação no mundo ocupacional. Não percebem que sobreviver não implica, necessariamente, usar roupas e calçados caros, manter contas e adquirir equipamentos tecnológicos de última geração. Estão trocando seus valores por necessidades impostas.

O fim da era das escolhas?

Escolha ocupacional era um privilégio de minorias. A grande massa de adolescentes da sociedade industrial não tinha acesso aos estudos, então aceitava as ocupações que sobravam. Adaptavam-se às oportunidades de trabalho oferecidas, submetendo-se a condições de trabalho insalubres ou a grandes jornadas. Não tinham outra escolha.

Os avanços da sociedade pós-industrial ampliaram o leque dos que não podem exercer a escolha. Mesmo os jovens nascidos em famílias com maior renda, olham para as escassas oportunidades e sentem falta de perspectivas. Sabem que em dez ou vinte anos a ocupação escolhida pode não mais existir. Vêm que terão que enfrentar uma grande luta para encontrar um lugar e uma oportunidade no mundo do trabalho. Muitas vagas são apenas trabalhos temporários. Não têm certeza de que conseguirão manter o padrão de vida e consumo dos seus pais. São muitas dúvidas, é angustiante.

Depressão e suicídios de jovens entre 19 e 29 anos

Vemos as estatísticas indicando um aumento assustador no número de suicídio de jovens. A Organização Mundial da Saúde indica que uma pessoa comete suicídio no planeta a cada 40 segundos. Pesquisas indicam que 36% dos suicídios de jovens estão ligados à depressão. No Brasil a ONG Centro de Valorização da Vida, que atende pessoas em vias de cometer suicídio, informa que os atendimentos mais frequentes estão ligados a pressão para sucesso na carreira e nos estudos.

Muitas são as causas da depressão, dentre elas está o estilo de vida atual, onde o jovem vive sob frequentes e intensos estímulos, num estado de excitação constante no mundo virtual e fantasioso dos games e outros ambientes. Isso vai causando uma insensibilidade que a indústria busca superar aumentando ainda mais os estímulos. Oferecem atividades de diversão à juventude com aumento na dose de violência, de movimentos abundantes e rápidos, do volume dos sons e intensidade de cores e de muitos outros elementos.

Quando precisa sair desse bombardeio de estímulos para planejar a inserção no mundo adulto, o jovem depara-se com a complexidade do mundo atual do trabalho e vê-se sem recursos educacionais e emocionais. A opção por uma ocupação simples e intermediária, que lhe desse tempo de acomodação e de conhecimento do mundo do trabalho, não lhe agrada, nem agrada aos pais. Precisa decidir sua vida, seu futuro, sua profissão e o curso universitário. Sem preparo, depara-se com o seu vazio, abrem-se as portas para a depressão, para as drogas e para ou outras doenças emocionais.

Construção da identidade pessoal e ocupacional

O ser não consegue viver na superfície todo o tempo, precisa ser nutrido de significados. Uma proteção contra a depressão e os riscos a ela associados é a busca do sentido da vida e a resposta a questões como: o que é importante para o indivíduo, quais os seus valores, ideais e sonhos, que causas deseja abraçar. O nosso ser demanda expressão, nosso espírito tem necessidade de reflexão e contemplação.

Para construir a identidade ocupacional há que se construir a identidade pessoal, conhecer e elaborar a história de vida pessoal e familiar, buscar a autoria da própria vida. Um ser que está em processo de construção da própria identidade consegue enfrentar com força e garra as dificuldades da vida, buscando superá-las de uma forma que atenda às suas demandas existenciais próprias e não apenas seguindo padrões impostos.

Os pais, os professores, os psicólogos, os adultos, as instituições, as escolas, as comunidades religiosas devem ajudar os jovens na construção de si mesmos. Esses jovens construirão o futuro, que será tanto mais integrado, justo e orgânico quanto mais for preenchido por pessoas que desenvolveram estas qualidades.

José Hamilton Ferreira

Psicólogo – José Ferreira CRP SP 36505