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“O inconsciente tem a tendência de considerar espírito e matéria não apenas como equivalentes, mas verdadeiramente idênticos.” C.G.Jung

A imagem mais comum que divulgam sobre psicoterapia é a de uma pessoa deitada num divã e um terapeuta sentado atrás, as caricaturas mostram o terapeuta carrancudo ou dormindo. A outra imagem frequente é a de duas pessoas sentadas em poltronas, frente a frente. Sentadas para conversar, mesmo sem assunto, martirizando-se com os silêncios. Será que é assim mesmo, ou… será que é sempre assim?

O cinema, a TV e outros meios de comunicação divulgam imagens verdadeiras e também imagens distorcidas da psicoterapia. Estas mídias lidam com clichês, pois dessa forma fica mais fácil passar a ideia sugerida para o seu público. Se estas imagens não correspondem ao que realmente acontece nos atendimentos psicológicos, elas podem corresponder ao que acontece em alguns casos. No entanto, existem outras formas de interação terapeuta-cliente, algumas bem interessantes e estimulantes: vejamos.

A interação humana pode acontecer através de variadas formas de linguagem, o diálogo continua sendo um canal importante na comunicação terapêutica. Importante mas não o único. Além da boca, o ser humano pode utilizar o seu corpo inteiro para comunicar seus sentimentos, emoções, reações e tudo o mais que deseja expressar. O corpo vive, alegra-se, sofre, armazena, esconde, mostra, adoece e refloresce em conjunto com o que está acontecendo com as emoções.

Somos um sistema único, não existe separação entre corpo e mente ou psique. Corpo e psique trabalham juntos e simultâneos. Ao recebermos um tapa, sentimos a dor no rosto e na alma. Uma grande ofensa, dói na alma e pode provocar uma mancha roxa no corpo. Emoções conflituosas e sofrimentos emocionais expressam-se no corpo através de doenças, baixa da imunidade e de travas musculares, chegando a produzir verdadeiras couraças musculares. Ao abraçarmos certas pessoas, sentimos que abraçamos um tronco seco e não gente. Outras, expressam através do corpo a sua doçura, seu amor, sua inteireza. Externamente parecem veludo, não pele. São aquelas pessoas que amamos estar juntos delas. São saudáveis, agradáveis e felizes.

Dualismo

O nosso modo atual de pensar ainda sofre as consequências de algumas correntes filosóficas dualistas. O dualismo platônico, concebia corpo e alma como coisas distintas e antagônicas, um estaria em oposição ao outro. O bem e o belo estavam relacionados à alma, ao pensamento, era o ideal que deveria ser exaltado. O que provinha do corpo era considerado impuro e inferior, por isso deveria ser desprezado. Há outros filósofos dualistas, como este artigo não tem foco na filosofia, fiquemos apenas com o dualismo platônico, cujo esquema central influenciou direta ou indiretamente outras filosofias.

O dualismo corpo-alma nos faz ver o trabalho braçal como inferior ao intelectual, trabalhar era coisa de escravos, considerados seres inferiores. O conhecimento ainda é mais valorizado que a ação, a marca tem mais valor que o produto. Valoriza-se mais a estratégia que a ação, veja os políticos: eles sabem planejar e prometer, mas pouco conseguem realizar.  Ainda vivemos uma sociedade profundamente contaminada pelo dualismo. Para piorar, ninguém admite isso, existe uma autoilusão, tentamos nos convencer de que somos integrados, douramos a realidade com belos discursos e lindas filosofias.

Integração corpo & alma 

O corpo e as emoções agem e reagem de forma integrada. O corpo expressa fielmente o que somos em nosso íntimo. O nosso corpo fala, através dele nos expressamos. Um terapeuta treinado em linguagem corporal começa a entender a personalidade do seu cliente antes mesmo que ele comece a falar, através do corpo: as posturas, as expressões, as marcas, a marcha, as tensões, as partes harmoniosas. Nosso corpo e nossa alma são uma unidade que se expressa conjuntamente. A divisão não existe.

Apesar de sermos essa unidade, há psicoterapeutas que não abordam o corpo do paciente. Estão interessados unicamente no mundo emocional e nos significados. Somos essa união corpo e emoções. Ainda assim, há médicos que não dão a mínima atenção aos sentimentos do paciente. Podemos resumir assim: para um só existe a psique, é como se o ser humano fosse apenas sentimento sem corpo. Para o outro só o corpo interessa, não importam os sentimentos do paciente. Será que é porque são especialistas? Penso que não. São profissionais vítimas do dualismo, ou dualistas por escolha. Não sabem lidar com o todo, não aprenderam a tratar do sistema inteiro. Sabem trabalhar só com aquele pedacinho, não se interessam pelo ser humano inteiro.

Funcionamos assim:

Veja como somos. Quando uma dor emocional tenciona os ombros, trava-o, provoca dor, muda o esquema corporal da pessoa. Será que apenas sentar e conversar aliviará a dor? Pode ser que depois de anos de terapia o conflito tenha sido resolvido e a tensão tenha ido embora. Será que poderia ser diferente? Na medicina acontece algo bem semelhante. O paciente, não conhecendo outro caminho, vive numa procura sem fim da cura para sintomas corporais que são de origem emocional. Exames, mais exames, medicamentos e mais medicamentos, cirurgias, procedimentos… e ninguém vê a alma ferida, que precisa de outro tipo de cuidados. São terríveis os efeitos dessa visão de corpo e mente, ou espírito, como coisas separadas. 

Os caminhos corpo-mente são de quatro vias. O corpo manda e recebe informações para a instância emocional e as transforma em saúde ou doença. Da mesma forma, a psique envia e recebe informações do corpo, transformando-as em felicidade ou dor. Uma forma abrangente de praticar a psicoterapia, com o fim de prestar uma ajuda integral à pessoa, é dar espaço para ambas as falas: a fala verbal e a fala do corpo. É ouvir e olhar, ouvir e tocar, ouvir e sugerir movimentos que soltam as energias bloqueadas pelas tensões, é ouvir e retirar a dor. Ouvir o ser inteiro. Já na idade média Santo Tomás de Aquino chamava o corpo humano de composto, constituído de corpo e alma integrados.

Ouvir o corpo

Para ouvir o corpo é preciso olhar para ele e tocá-lo. O toque age sobre a pele, o maior órgão corporal, e possui a mesma origem embrionária do sistema nervoso. Pele e sistema nervoso permanecem a vida inteira em íntima conexão. Psicoterapia e trabalho corporal operam impulsos, expectativas, medos, esperanças: ajudam na reconstrução da memória autobiográfica.

No corpo estão gravadas as marcas boas e ruins do passado. Existe uma memória corporal. As expectativas, as esperanças e o porvir também são representados no corpo. Nosso corpo vibra durante os dias que antecedem o reencontro de uma pessoa amada; ficamos tensos e com o corpo curvado quando tememos a reprovação de alguém que consideramos importante. Vejam o que as provas e vestibulares provocam nos corpos dos candidatos nos dias anteriores. Os exemplos são muitos, é só observar. Então, presente, passado e futuro não são apenas conceitos mentais, mas experiências que também atingem a dimensão corporal.

Integração fisiopsíquica

Basta o corpo? Se bastasse a academia seria suficiente, como também seria suficiente o trabalho braçal. Essas coisas colaboram, mas não abarcam o todo. Cuidado com os excessos. Houve tempo na nossa cultura ocidental em que privilegiávamos o intelecto. Bacana era saber, conhecer, exibir uma intelectualidade fantástica, mesmo dentro de um corpo raquítico e doentio. Atualmente, vemos uma preocupação quase excessiva com o corpo, com a beleza e com a imagem. É como se bastasse ser lindo ou linda, mesmo que vazios de conteúdo ou de virtudes.

Uma psicoterapia de integração fisiopsíquica cuidará do todo: corpo e emoções; passado e futuro; dificuldades e talentos; luz e sombras e uma infinidade de outras unidades ou pares integrados. A psicoterapia que cuida da inteireza do ser, da sua individuação, precisa ser abrangente. Nas palavras de Jung, criador da psicologia analítica, “individuação é o tornar-se um consigo mesmo, e ao mesmo tempo com a humanidade toda, em que também nos incluímos”.

José Hamilton Ferreira Psicólogo CRP SP 36505