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Alegria e tristeza, hábitos do ser.

“Retirar-se da pressão da vida cotidiana; buscar o essencial por meio da contemplação e da meditação.” C.G. Jung

Talvez você já tenha olhado para uma pessoa integrada, solícita, que atende a todos com aquele lindo sorriso no rosto. Sabendo que era uma pessoa religiosa, fez logo a associação: ela é assim feliz, cheia de vitalidade por causa da sua religião e fé.

Outro dia, ouvi alguém referir-se a uma pessoa deprimida e argumentar que só podia dar nisso: é uma pessoa tão “encafifada” com esse negócio de religião, só pensa em rezar, ir à igreja, não assiste televisão, não toma “umazinha” de vez em quando, não se diverte, e assim por diante.

E aí? O que você acha disso? Quem será que tem razão? A vivência da fé através da prática religiosa tem ou não relação com a depressão e outras doenças emocionais? Quer saber? Vamos ver.

O que dizem as pesquisas

Vou começar com as pesquisas científicas. Nas universidades predomina o pensamento laico. A ciência não leva em conta a crença dos pesquisadores e nem das pessoas que compõem as bancas examinadoras.

A ciência é empírica, isso é lida com dados observáveis. Quando “puxa” a sardinha, normalmente não é para o lado da religião. Sendo assim, as pesquisas científicas sobre a relação entre religiosidade e depressão são interessantes, porque os dados passam por um crivo bem exigente.

Para não ficar maçante, não comentarei as pesquisas uma a uma, examinei diversas. Vou comentar, no geral, o que elas apontam. Consultei pesquisas e artigos científicos que apresentam pesquisas realizadas na PUC Minas, Universidade Federal de Juiz de Fora, Universidade de Columbia – dos Estados Unidos, Unicamp, USP e muitas outras.

A religião tem algum efeito, qual?

Em todas as pesquisas foi encontrado algum efeito da religião como um fator de proteção à depressão e saúde mental. Algumas pesquisas apontam significâncias pequenas, outras, significâncias maiores. Essa diferença tem diferentes razões: tipo de população pesquisada, época, instrumentos e métodos, tamanho da amostra, dentre outras.

Ponto positivo

A conclusão a que cheguei é que a literatura dá “ponto positivo” para a religião. Hoje mesmo assisti a uma palestra acadêmica em que um neurocientista da Unicamp referiu os benefícios da meditação para o tratamento da depressão e prevenção do suicídio.

Se é assim, porque existe a crença de que a religião também pode contribuir para a origem da depressão?

Causas da depressão

Ainda não existe certeza sobre as causas da depressão. Para a população em geral, sabe-se que as causas são diversas. Também existe o fator multicausal quando se examina o transtorno depressivo em nível individual.

A depressão atinge corpo e alma. As emoções apresentam-se em desequilíbrio e também ocorre uma disfunção química, envolvendo cérebro, neurotransmissores e hormônios, com reflexos em outros sistemas corporais.

Formas de viver a religião

O autor José Tolentino Rosa defende que há três formas de concepção e vivência da religião:

  1. Legalista, proibitivo, perfeccionista, rigoroso;
  2. Dependente, ameaçadora (medo), negativista;
  3. Amorosa, misericordiosa, com compaixão e tolerância, espiritual.

Não encontrei pesquisas que comparassem os efeitos destas formas de viver a religião com os transtornos emocionais. As pesquisas investigaram religião & doença, não as formas que as pessoas concebem ou praticam a religião.

Para baixo

Sabemos, agora, que a religião sozinha não é causa de depressão, normalmente há várias causas, lembra? Mas viver a relação com a fé nas formas 1 e 2 apontadas acima, podem contribuir para a origem de doenças mentais. Não será a única causa, mas pode contribuir.

Para cima

Por outro lado, viver a religião na linha do amor, da compaixão, tolerância, etc., resulta em fator de proteção. Esses elementos: amor, compaixão, tolerância, misericórdia, esperança e alegria, são contrapontos às características emocionais da depressão: tristeza, mal estar, desânimo, cansaço, falta de sentido, vazio, desejo de morrer e tantos outros sentimentos que negam a vida.

Interessante observar que este modo positivo de viver a religião é mais parecida com a forma ensinada por Jesus Cristo. Os modelos legalistas ou autoritárias, representados pelos itens 1 e 2, acima, são justamente as formas que Jesus combatia, chamando-as de hipócritas.

Tratamentos

Para dar contas das diversas causas, as formas atuais de tratamento da depressão também prescrevem estratégias conjugadas de tratamento: medicamentos, psicoterapia, redução de estressores, atividades físicas, acolhimento familiar, inserção em grupos e… tratamento espiritual.

Com base na minha experiência clínica e no estudo dos resultados da prática psicoterápica geral, eu recomendo: busque ajuda e tratamento. Geralmente os tratamentos para todas as doenças não garantem resultado 100% positivo. Contudo, os transtornos depressivos bem cuidados apresentam altas taxas de cura ou alívio significativo, com grandes reflexos na qualidade de vida do paciente.

Considerando as informações acima, podemos ver que a religião pode contribuir na prevenção da depressão e da saúde mental, e que também pode ser útil quando a doença já se instalou, sendo um dos itens do tratamento.

Fuja do fundamentalismo

Há que se evitar posições fundamentalistas, que induzem a:

  • Pressionar o fiel religioso, contribuindo como um agente estressor;
  • Viver a religião com a seta apontando ameaças e implantando o medo, em vez de escolher a misericórdia e a esperança;
  • Adotar a religião como única porta de tratamento, deixando de usufruir de tantos outros meios que o próprio Deus nos proporcionou através da inteligência humana e da ciência.

Não seja nem ouça os extremistas. Não seja nem estimule os “rabujentos” de plantão.

Sendo assim…

… parece conveniente adotar a vivência da religião de uma forma construtiva, positiva, feliz e leve. Isso não significa uma prática superficial, relativista e líquida, como é a tendência atual. Por tratar-se dos fins últimos da vida, as pessoas que vivem de forma intensa e integrada a religião, o fazem de forma série e profunda, porém com a leveza.

Jesus conseguia ter profundidade e ao mesmo tempo dizia, “Vinde a mim (…) porque meu jugo é suave e meu peso é leve” (Mateus 11, 28-30). Na sua primeira carta, São João, tratando a todos de filhinhos dizia “Aquele que não ama não conhece a Deus, porque Deus é amor” (1Jo 4,8). Ora, amor é doação, leveza, compreensão, aceitação e acolhimento.

Incerteza, graça e mistério

Essa postura frente à religião certamente contribuirá como prevenção e tratamento. Não pode garantir eficácia, porque a ciência não tem certeza das causas desse transtorno e a fé sujeita-se à graça e ao mistério.

José Hamilton Ferreira

José Ferreira – Psicólogo CRP SP 36505